Meu muito amado filho Estêvão
Eu gosto de celebrar datas. Gosto mesmo. Marcam a passagem do tempo,
obrigam-nos a parar, a pensar, a fazer pontos da situação, avaliações, marcam a
nossa lembrança, ajudam-nos a parar e a lembrar quem somos, para onde vamos e de
onde vimos. Qual é a nossa história.
Há datas como o teu aniversário, o natal, o dia da criança, o dia dos
namorados, o dia de Portugal, o aniversário da tua avó, o meu aniversário, o
dia de anos da Mafalda, o dia de anos da Madalena, o dia em que o meu pai, o
teu avó Francisco faleceu… sei lá datas. Datas que são nossas.
Mas há datas que são só minhas. Hoje é uma data só minha. Hoje faz um ano (exactamente
um ano!) de um dia que marcou a minha vida (estou certa para sempre!). E por
isso hoje te falo disto. Para registo.
Falo-te aqui muito de amor e como o amor é a razão de viver, a origem e o
fim de tudo, como te amo infinitamente, como devemos amar a nossa vida, como o
amor é a resposta a tudo. E é. É mesmo, meu amor. O amor é o princípio e o fim
de tudo. Mete amor em tudo o que fazes, mete tudo o que fazes no teu amor, mete
respeito no teu amor que o amor cresce, mete sol e luz e caminho e festa no
amor, mete verdade e companhia e serás feliz.
Eu amo a minha vida, amo-te, amo as minhas pessoas, amo o que faço, amo o
caminho que tenho tido, amo tudo o que aprendi nestes 39 anos de vida, do bom e
do mal tudo tirei ensinamentos e de tudo se faz caminho de amor.
Mas faz hoje um ano em que tomei a decisão de não voltar a ter nenhum
relacionamento íntimo com ninguém. Repara eu não disse que desisti do amor,
isso aliás seria impossível porque o amor é sangue, é ar, é vida em mim.
Desisti de procurar, de aceitar, de ter alguém na minha vida que não sejas tu e
as minhas pessoas. Desisti de partilhar os meus beijos, os meus lençois, os
meus pratos, o meu tempo, os meus sorrisos, os meus pensamentos com um
namorado, com um companheiro, com quem não és tu ou os meus.
Foi uma decisão natural no sentido de fluida, no sentido de eu própria
estava à espera dela (acho até que demorou muito tempo a chegar a esta decisão)
e não foi a ultima gota (ou seja o meu ultimo relacionamento) que me fez tomar
essa decisão (ninguém sozinho tem esse poder!) foram as gotas todas que
encheram o copo até à ultima gota que o fez transbordar … eu não vejo a vida
como gavetas independentes umas das outras, uma gaveta do trabalho, uma gaveta
da família do coração, uma gaveta da família de sangue, uma gaveta dos filhos,
uma gaveta das inseguranças, uma gaveta do passado, uma gaveta dos amigos, uma
gaveta do trabalho, uma gaveta do futuro… não consigo viver assim… para mim
todas as gavetas estão espalhadas num loft espaçoso onde vivem e se cruzam e
conversam umas com as outras… e isso implica entrega, entrega essa que é
obviamente acompanhada por dor, por desilusão… porque amor é falhar sempre
sempre sempre e começar de novo outra e outra vez… até nasceres eu lidava com
essas desilusões, com os abandonos como naturais como parte da vida, como parte
do caminho como parte do crescimento… mas o ano passado percebi que para ti não
é nada assim e a mim esses bocados partidos, partiram-me mais ainda o coração
que todos os meus relacionamentos acabados. E se eu posso ouvir “não gosto de
ti o suficiente para manter contigo um relacionamento” … eu não quero que tu te
desiludas mais com pessoas que aparecem e não ficam (nem têm que ficar obviamente
os caminhos de cada um são os caminhos de cada um!).
Não existe relacionamento bom de verdade sem entrega. Relacionamentos
vividos cheios de medos, recheados de atitudes pensadas, com fobia de passos em
falso, acabam sendo sempre limitados e rasos. Não é possível amar cheio de medos.
O amor não aceita essa condição, não há acordos, cláusulas extras no contrato –
amor é tudo ou nada. Nada na vida é perfeito. O amor com entrega leva-nos às
alturas – e, já estamos cansados de saber que, quanto maior a altura, mais
longa a queda. Não dá pra ter tudo.
Mesmo conscientes da dor que geralmente surge no fim da estrada, escolhemos
arriscar. E fazemo-lo porque sabemos que de nada vale a vida se não a vivermos
com emoção. Não amar por medo de se decepcionar, é como rejeitar a sobremesa
por medo de engordar. Ou como entrar no mar e não molhar o cabelo por medo de
estragar a escova. O medo freia-nos, limita-nos. Uma das lições que deveria ser
passada de mãe pra filho, ou que deveria ser ensinada na escola (no lugar de
logarítmos) é a seguinte: Ama profundamente, deves estar preparado para a
dor e, quando ela chegar, desapega-te. Muitos podem dizer que essa
tarefa é difícil demais, que não é possível desapegar-se assim. Pois eu não
concordo. Ninguém disse que é fácil – estou apenas a dizer que é necessário. E
tu vais sofrer muito de amor, muitooooooo é normal é natural, até… mas não
pelos meus desamores. Isso não voltará a acontecer.
É isso mesmo, se em algumas alturas da vida escolhemos arriscar
…acreditando que um dia chegaria alguém que nos abraçaria e encontraria todos
os bocadinhos do nosso vidro partido, e nos faria entender porque antes as
coisas não correram bem… houve há exactamente um ano um momento em que eu
decidi que não vou arriscar mais.
Na altura foi difícil. Pensei que ia ficar triste, muito triste muito tempo,
pensei como não era justo como se a vida fosse (ou tivesse que ser) justa, ou
tão pouco nos outros houvesse necessidade disso… de serem justos connosco. Não
há nem tem nunca de haver.
As pessoas cruzam-se na nossa vida por uma razão disso eu não tenho nenhuma
dúvida, nenhuma mesmo, e sei que tudo é caminho, tudo é aprendizagem e que
algumas pessoas estão apenas connosco uns poucos momentos para nos ensinarem o
que temos de aprender com elas e que depois seguem (e ainda bem) o seu caminho
de felicidade e de vida.
E talvez eu estivesse mesmo a precisar de aprender a lição que aprendi,
vivi 38 anos com o coração na boca, confiando e acreditando no amor para a
vida, no amor biunívoco, no amor em partes iguais, no amor companheiro de
caminho, no que os poetas chamam “história de amor” e o meu coração partiu-se
uma vez, duas vezes… duzentas vezes… e duzentas e uma vezes levantei-me apanhei
os bocadinhos de vidro, chorei e descobri que se nos meus relacionamentos não
encontrei quem me ame o suficiente para manter comigo um relacionamento… é
porque andava à procura no sitio errado… eu amo-me tanto, e amo-te tanto e
temos tanto para aprender e viver… que não quero mais chorar por não encontrar
no outro (o sitio errado de procurar!) a companhia que eu sou para mim mesma e
que tu és para ti e para nós.
A vida será sempre o que tiver que ser… disso não tenho sequer ilusões… já
aprendi essa parte bem aprendida… a vida sempre encontra um modo de nos mostrar
onde temos de estar e o que temos de fazer… por isso as palavras “nunca” e “sempre”
e suas variações deixaram de fazer parte do meu quotidiano.
Neste momento da minha vida esta minha escolha faz sentido e tem sido
justificada a cada dia que passou neste ano… o futuro a Deus pertence diz quem
é muito mais sábio que eu…
Vou (vamos) ouvido os sinais que a vida nos vai dando não é?
Agora que o coração não bate nem perto da boca é muito mais fácil ouvir o
que se passa na minha vida.
É isso que neste dia eu celebro… deixar a vida fluir, sem medos, sem
lagrimas… só amor e alegria.
Amo-te infinitamente
Tua mãe
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