quarta-feira, 3 de julho de 2013

159 - Quem sou eu a tua mãe parte 1 (das muitas que por aqui hão de haver!)

Meu muito amado filho Estêvão
Este espaço não serve para nada mais que não seja ir falando daquilo que para mim é importante que tu saibas se eu cá não estiver um dia para te falar destas coisas todas. Vou estar claro. Mas fica aqui o registo. Há também o registo vivo de quem me conhece e te conhece.
Tudo o que te vou escrevendo vem muito da minha vida, das minhas vivências, do que me ensinaram, do que fui aprendendo, das minhas experiências pessoas e de tudo o que vou vendo e vivendo.
Hoje queria falar-te de mim. Não gosto de falar de mim é a primeira coisa que quero falar sobre mim. Não gosto mesmo. Acho que a tua avó, a tua tia, e quase todos os teus e meus amigos podem falar de mim e de quem eu sou, quais os meus milhões de defeitos e as minhas qualidade, do que é gosto, do que é que não gosto. Acho que se um dia não estiver mesmo contigo deves realmente procurar essas pessoas e tentar fazer um quadro da pessoa que eu sou… ou fui.
Acho que te tenho de começar por dizer que sou a filha mais velha. As minhas primeiras lembranças da minha infância foram e são ainda hoje muito felizes, fui uma miúda que brincou até não poder mais. Era muito curiosa, apaixonada pelo sol, pelo cabelo cumprido e por palavras difíceis. Com a particularidade que e ainda hoje eu agradeço e que me moldou muito a pessoa que eu sou, a tua avó sempre me mandou ao dicionário procurar o significado das palavras em vez de me dizê-lo e acho que isso fez de mim a pessoa curiosa que ainda hoje sou.
Adoro nadar. Adoro o mar o sol e a praia sempre que por razões de saúde não posso frequentar a praia … nem são férias nem é verão. Na praia é que me sinto em casa. E o verão é a minha estação.Correr é outra coisa que gosto muito e me faz muito bem.
Sempre fui muito estudiosa. Demais eu acho. Acho que voltamos outra vez ao dicionário… sempre quis saber muito os porquês de tudo e  muitos e muitos e muitos porquês e acho que se me perguntares sempre quis ser investigadora, quando todas as meninas queriam ser cabeleireiras eu já sabia que queria investigar doenças.
Acho que a vontade de saber mais, uma curiosidade imensa uma completa e total ausência de vergonha de fazer perguntas a todas as pessoas e a tal vontade de estudar… e acho que a facilidade de o fazer (digo estudar) também cedo definiram o meu caminho profissional. Que não é um caminho nada fácil (não haja muitos caminhos fáceis).
Mas não penses que não tentei fazer outras coisas. Tentei e fiz. Fiz muitas e muitas coisas. E em tudo eu meto alma. Tudo. Por isso sempre gostei de tudo o que fiz.
Não tenho jeito para dançar, para cantar ou para pintar. Tenho imensa pena.
Mas adoro ler e escrever. Acho que para mim o crescer foi diminuindo a facilidade com que me expresso oralmente e foi tornando mais fluída a minha escrita.
Crescer. Sim acho que tive de crescer muito cedo. Demasiado. Cedo demais e não queria nada. Mas continuo ainda a manter a ideia de criança de ser feliz e fazer feliz os outros e aproveitar o melhor da vida. Comecei a trabalhar (e a estudar ao mesmo tempo claro) tinha 14 anos e desde ai até agora nunca nunca parei. Assumi a responsabilidade sobre a minha vida (verdadeiramente e totalmente) muito cedo. Mas isso não significa que não tenha aproveitado cada segundo da minha adolescência, da minha vida de faculdade, e da minha vida como adulta. Não houve festa que não tenha ido nem evento que tenha faltado. Tudo eu fiz, tudo eu experimentei.
Acho que neste momento tenho de te explicar que sempre dormi pouco. Tenho desde há anos hipertiroidismo e isso dá-me uma energia acima do normal em relação às outras pessoas a ponto de eu não saber se não dormir é por causa da tiroide ou é traço da minha personalidade. Acho que são as duas coisas.
Já tive de lutar pela vida mas a serio pela vida mesmo. Já tive de me tratar de uma doença que me pode mesmo mesmo matar. Não é o tempo de falarmos sobre isso agora, nem aqui. Mas tenho que te dizer que esse problema de saúde me trouxe alguns ensinamentos muito importantes: a vida é a maior dádiva do mundo temos de a aproveitar como se não houvesse amanha e não adianta exigir nada a ninguém nem tentar mudar ninguém, a vida não é perfeita e o saber da vida está em amar tudo o que se tem e não lamentar o que não se tem… e agradecer mas agradecer mesmo aquilo que não te parece ser nada de agradecer.
Não sou uma pessoa simpática. No primeiro trato não sou mesmo. Não mostro os dentes (significando não me riu assim fácil fácil) assim fácil… mas se conheço quem está a minha volta, se confio, se respeito se admiro se gosto se amo então dou-me totalmente e completamente e sem medida. Ou melhor com a medida do infinito.
Sou amiga amiga e amiga mesmo. Dou a camisola, o casaco as calças a comida enfim dou-me sem medida.
Acho que o que quero dizer é que sou tímida. Muito sensível embora disfarce bem como o raio. Acho que a maior parte das pessoas até tende a considerar-me bruta e fria. Filho, como está longe do real. Acho que quem chega perto o suficiente sabe que eu (como tu acho eu) sou só só coração. Sofro com a injustiça aquela que sinto na pela e aquela que sinto nos outros.
Não sou de chorar muito, choro de raiva e choro quando vejo que as pessoas não estão a fazer o que deviam estar a fazer… o que quero dizer é que as vezes eu vejo determinados caminhos como o caminho certo a seguir e sofro quando as pessoas não vêm o mesmo que eu.
Estudei muito e fui até ao fim… fiz um doutoramento que amei fazer mas que adiou a minha verdadeira vocação… ter filhos (felizmente apenas adiou) … sofri para o fazer quer a nível pessoal quer profissional se me perguntares se o faria de novo a resposta é um redondo sim. Pelo desafio pelo imenso e total desafio. Foi maravilhoso.
Acho que definitivamente a palavra que me define é não ser “mais um” não ser “normal” mas fui aprendendo a ser um diferente melhor um diferente enquadrado.
Sou muito impulsiva e apaixonada pela vida e pelas pessoas. Já sofri tanto por ser assim mas prometo não mudar nunca. Sempre vou acreditar na importância do amor. Na verdade. Na vida boa. Na partilha. No sol na cara. Nos pés na água.
Acho que sou também extremamente sensitiva no sentido que consigo perceber as necessidades dos outros com clareza.
Namorei quem quis. E quem me quis mesmo tambem me namorou. E ainda bem. Adoro namorar. Adoro apaixonar-me. Adoro as borboletas na barriga. Adoro beijar de língua. Adoro abraços. E amar. Amo amar e ser amada. Nasci para isso também. Amo sem medida e sempre o vou fazer. Sem medos.
Acho que as pessoas no geral me consideram uma pessoa corajosa eu não concordo. Gostava de ser e tento ser todos os dias. Não gosto de pessoas medrosas e cobardes. Não gosto de pessoas sem carácter  sem espinha dorsal. Não gosto da flexibilidade de valores. Aliás sou ate um bocado intransigente nesse ponto.
Não julgo ninguém mas … não mudo.
Não gosto de ter ao pé de mim pessoas que mentem, pessoas sem carácter  preguiçosos, pessoas falhadas de mal com a vida e que se recusam a evoluir (repara que não disse crescer disse propositadamente evoluir… acho que todos tem direito a não quererem crescer mas não evoluir e ficar preso ao “sempre foi assim sempre assim será” isso sim tira-me do serio).
Considero-me uma pessoa educada e afável. Mas isso as vezes pode ser entendido como ser distante e pensar que sou superior mas nada disso. Como te disse sou essencialmente tímida. Mas sou incapaz de não cumprimentar as pessoas com que me cruzo conheça ou não.
Gosto de ajudar de várias maneiras quem se cruza comigo. Acho que sempre fui assim. E acho que algumas pessoas se assustam com isso porque no mundo de hoje acho que muitas pessoas só fazem aos outros se esperam receber em troca… e isso para mim não é o caso. Gosto de marcar as pessoas de alguma maneira… acho que a ideia que dai a uns anos alguém se lembrar de mim por alguma coisa que eu fiz ou dei ou participei e não pela pessoa que sou é o que mais me fascina. É o que me move. Acho que deve ser por isso que não sou rica se fosse gastava tudo a ajudar os outros.
O que é banal e normal sempre me aborreceu, vestir igual, ser igual, beber igual, comportar igual para mim aborrece-me e muito.
Detesto gente ignorante e burra. Detesto pessoas que se recusam a aprender ou por vergonha ou por burrice mesmo. Detesto.
Acho que pelos padrões da sociedade atual eu não sou uma pessoa porreira, nem fixe … não vou aos sítios dessas pessoas não faço o que essas pessoas fazem. Mas acho que a maioria das pessoas com que trabalho me considera a pessoa mais adequada do mundo. Acho que só a idade e a vida te vão fazer entender o que é ser adequada.
Sou muito exigente comigo. E isso pode complicar. Pode tirar-me a boa disposição pode ser muito difícil estar ao pé de mim quando tenho um problema que não consigo resolver assim fácil. Tenho crescido e mudado muito e evoluído muito, mas mesmo assim as vezes complica. O que eu gosto que quem esteja ao pé de mim saiba e que o amor não muda e que eu só preciso de tempo e a coisa vai. As vezes em silêncio mas não é por não confiar é por não conseguir explicar. Percebes?
Sou total e obstinadamente perfecionista as vezes pode complicar muito. Porque por causa disso não consigo confiar no outro para fazer as coisas não sou capaz de partilhar com os outros as necessidades e pode complicar.
Trabalho muito e muito e durmo pouco e pouco. Sempre fui assim. E sou assim com tudo pode ser trabalho pago ou voluntario podem ser bolos ou colares. Em tudo em estico ao máximo em tudo vai ao limite em tudo eu meto a alma e o coração.
Gosto muito do que faço mas fazia qualquer outra coisa. Eu não sou o meu trabalho eu sei muito bem quem sou e sou a tua mãe, a filha da Júlia, a amiga deste e daquele, a amante, a confidente, a colega, a mulher, a namorada. Isso é quem eu sou. Eu sou para os outros mas para ser completamente e totalmente eu gosto (e faço sempre por gostar) do meu trabalho. Trabalhar não é o que sou mas é importante. Trabalho para ter segurança financeira e porque? Para poder viajar com quem amo. Viajar e a segunda coisa que eu gosto mais de fazer na vida (a seguir a ser mãe) viajar é maravilhoso se pudesse só viajava. Adoro comer comida diferente, ouvir os sons diferentes, dormir em camas que não a minha e viajar sem medos pelas vilas e cidades do mundo. Por isso trabalho para poder viajar. Trabalho para te poder dar uma escola, uma educação que te de ferramentas para a vida e trabalho para poder tratar de mim sem te dar trabalho quando la mais a frente não poder trabalhar. Eu acho que eu sou de uma geração cheia de privilégios em que os meus pais me ajudaram (e em alguns casos de pessoas da minha geração ainda ajudam) e eu? Será que é pedir demais trabalhar para poder ajudar te também a ti?
É para isso que trabalho. O meu trabalho não é trabalho das 9 as 17. Não sei se felizmente se infelizmente trago com frequência trabalho para casa e tenho também que fazer um esforço grande para me atualizar, tenho cursos, congressos, projetos… enfim não digo que não gosto da adrenalina e de … lá muito de vez em quando acontecer uma experiencia genial, um artigo genial ou algum reconhecimento pelos meus pares. Mas não é para isso que vivo. Não gosto de aparecer. Detesto até. Dai que escrever seja a minha maneira preferida de ser eu.
Para mim a única coisa que tem de ser são as pessoas que amo. Mesmo que por elas tenha de fazer sacrifícios que as vezes me afastam delas. Percebes?
Para poder passar tempo de qualidade contigo as vezes tenho de sacrificar a quantidade mas o amor é o mesmo.
Sou muito teimosa mas não sou orgulhosa.
Tenho uma dificuldade enorme em me perdoar e me desculpar mas consigo fazer isso com os outros mais facilmente.
Não gosto de falar dos outros e não gosto de me queixar de nada. Nem de dores. Acho que para a frente é o caminho.

Não sei se sabias tudo ou nada disto. Mas com pinceladas largas e sem regra essa pessoa é mais ou menos eu. Mas meu amado filho como te disse eu não gosto de falar de mim… fala com quem me conhece e nunca tenhas vergonha de perguntar nada a meu respeito.
Podes um dia mais tarde perguntar se a minha tese é uma seca?
Se os meus beijos são agradáveis?
Se eu sabia cozinhar e o que gostava de ler?

Enfim acho que por hoje chega

Amo-te muito






Tua mãe


6 comentários:

  1. Just... Love it...
    Beijinhos Ana... e um grande beijinho ao Estevão... que deve ter muito orgulho na mãe que tem...

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  2. Ola Ana, nao sei se sabia, mas gosto muito de ler o seu blog.
    A Ana e tao bonita. Escrevo hoje , porque a Ana resolveu falar de si, e eu acho que tenho uma palavra a dizer, se quiser para um dia mostrar ao seu filho. Eu que falo com muita gente e gosto muito de "gente", quero deixar aqui escrito que a Ana e dos seres humanos mais completos que tenho conhecido.
    E digo completo e nao perfeito, porque a imperfeicao faz parte de nos e faz nos caminhar, e faz nos aprender a amar a nos e aos outros mesmo com a imperfeicao.

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    1. Fernanda o que sou ... sou porque os nossos caminhos se cruzaram.
      E que maravilha isso foi!
      abraço

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  3. Ana, que bom que foi ler-te.
    Primeiro porque já se passaram uns belos anos desde os Verões passados juntas em Sesimbra. Depois porque ao ler as tuas palavras revejo-me em muita coisa. Por fim porque não sou boa escritora e admiro quem tem a capacidade de se expressar, desta maneira de forma verdadeira e com o coração.
    Perguntei-me :
    - Será que um dia vou conseguir escrever algo assim para a minha
    filha Alice, que tem hoje 9 meses?
    Talvez quem sabe, mas se não for pela escrita será de outras formas e com toda a certeza, a todos os momentos em que os nossos olhos ficam presos e que ela me lê, bem dentro de mim, bem dentro da minha alma.
    Tive vontade de partilhar contigo uma passagem da minha vida, bem sei que este é o teu blog, o teu espaço mas mesmo assim vou arriscar esta partilha.
    Quando tinha 12 anos, um dia a minha mãe ( já na altura com cancro avançado), chegou perto de mim e disse que queria falar sobre a minha família, queria que eu conhece-se a historia dos meu Avós e bisavós. Não numa perspectiva humana mas sim numa perspectiva de importância nobliatica, ou seja brasão de família, feitos de família e por ai adiante.
    Bom, eu olhei para ela, com 12 anos e disse-lhe que não tinha conhecido os meus Avós nem Bisavós e que era mais importante para mim saber quem ela era, pedi-lhe para me falar dela, do que ela sentia, o que tinha vivido, o que não tinha vivido...... A minha mãe não foi capaz de dizer uma palavra, ficou muito chateada comigo e literalmente virou-me as costas. A minha mãe faleceu 2 anos depois e ate hoje sinto, por vezes, triste por saber tão pouco sobre ela, existe um misto de recordações boas e más, com um nevoeiro á volta, por não saber ao certo o que era verdadeiro e genuíno nela e o que não era. Por isso esta carta que escreves para teu filho me tenha tocado tão profundamente. Não sei se será importante para Alice saber quem eu sou mas tenho a certeza que ao longo do seu crescimento farei para que conheça sim, o meu lado de mãe como também o meu lado humano, de pessoa, ser humano com todas as suas qualidades, defeitos características que me completam.
    Desculpa a minha dissertação e já longa mensagem !

    Um bem haja muito grande e mais uma vez grata por esta linda carta

    Inês Alvim

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    Respostas
    1. Ines que bom ler-te....
      tens uma filha linda!
      este espaço é sempre sempre sempre teu vem le escreve e deixa-me supreeender por ti
      abraço e felicidades à Alice
      abraço

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