Meu muito amado filho Estêvão
Este espaço não serve para nada mais que
não seja ir falando daquilo que para mim é importante que tu saibas se eu cá
não estiver um dia para te falar destas coisas todas. Vou estar claro. Mas fica aqui o
registo. Há também o registo vivo de quem me conhece e te conhece.
Tudo o que te vou escrevendo vem muito
da minha vida, das minhas vivências, do que me ensinaram, do que fui aprendendo, das minhas
experiências pessoas e de tudo o que vou vendo e vivendo.
Hoje queria falar-te de mim. Não gosto
de falar de mim é a primeira coisa que quero falar sobre mim. Não gosto mesmo.
Acho que a tua avó, a tua tia, e quase todos os teus e meus amigos podem falar
de mim e de quem eu sou, quais os meus milhões de defeitos e as minhas
qualidade, do que é gosto, do que é que não gosto. Acho que se um dia não estiver mesmo
contigo deves realmente procurar essas pessoas e tentar fazer um quadro da pessoa que
eu sou… ou fui.
Acho que te tenho de começar por dizer
que sou a filha mais velha. As minhas primeiras lembranças da minha infância foram
e são ainda hoje muito felizes, fui uma miúda que brincou até não poder mais.
Era muito curiosa, apaixonada pelo sol, pelo cabelo cumprido e por palavras difíceis.
Com a particularidade que e ainda hoje eu agradeço e que me moldou muito a pessoa
que eu sou, a tua avó sempre me mandou ao dicionário procurar o significado das
palavras em vez de me dizê-lo e acho que isso fez de mim a pessoa curiosa que
ainda hoje sou.
Adoro nadar. Adoro o mar o sol e a praia
sempre que por razões de saúde não posso frequentar a praia … nem são férias
nem é verão. Na praia é que me sinto em casa. E o verão é a minha estação.Correr é outra coisa que gosto muito e me faz muito bem.
Sempre fui muito estudiosa. Demais eu
acho. Acho que voltamos outra vez ao dicionário… sempre quis saber muito os porquês de tudo e muitos e muitos e muitos porquês e acho que se me perguntares sempre quis ser
investigadora, quando todas as meninas queriam ser cabeleireiras eu já sabia
que queria investigar doenças.
Acho que a vontade de saber mais, uma
curiosidade imensa uma completa e total ausência de vergonha de fazer perguntas
a todas as pessoas e a tal vontade de estudar… e acho que a facilidade de o fazer (digo estudar) também cedo
definiram o meu caminho profissional. Que não é um caminho nada fácil (não haja muitos caminhos fáceis).
Mas não penses que não tentei fazer
outras coisas. Tentei e fiz. Fiz muitas e muitas coisas. E em tudo eu meto
alma. Tudo. Por isso sempre gostei de tudo o que fiz.
Não tenho jeito para dançar, para cantar
ou para pintar. Tenho imensa pena.
Mas adoro ler e escrever. Acho que para mim o
crescer foi diminuindo a facilidade com que me expresso oralmente e foi
tornando mais fluída a minha escrita.
Crescer. Sim acho que tive de crescer
muito cedo. Demasiado. Cedo demais e não queria nada. Mas continuo ainda a manter a ideia de criança de ser feliz e fazer feliz os outros e aproveitar o melhor da vida. Comecei a trabalhar (e a estudar ao
mesmo tempo claro) tinha 14 anos e desde ai até agora nunca nunca parei. Assumi a responsabilidade sobre a minha vida (verdadeiramente e totalmente) muito cedo. Mas isso não significa que não tenha aproveitado cada segundo da minha adolescência,
da minha vida de faculdade, e da minha vida como adulta. Não houve festa que não tenha ido nem evento que
tenha faltado. Tudo eu fiz, tudo eu experimentei.
Acho que neste momento tenho de te
explicar que sempre dormi pouco. Tenho desde há anos hipertiroidismo e isso
dá-me uma energia acima do normal em relação às outras pessoas a ponto de eu não saber se não
dormir é por causa da tiroide ou é traço da minha personalidade. Acho que são as duas coisas.
Já tive de lutar pela vida mas a serio
pela vida mesmo. Já tive de me tratar de uma doença que me pode mesmo mesmo
matar. Não é o tempo de falarmos sobre isso agora, nem aqui. Mas tenho que te dizer que esse
problema de saúde me trouxe alguns ensinamentos muito importantes: a vida é a maior dádiva do mundo temos de a aproveitar como se não houvesse amanha e não
adianta exigir nada a ninguém nem tentar mudar ninguém, a vida não é perfeita e
o saber da vida está em amar tudo o que se tem e não lamentar o que não se tem…
e agradecer mas agradecer mesmo aquilo que não te parece ser nada de agradecer.
Não sou uma pessoa simpática. No
primeiro trato não sou mesmo. Não mostro os dentes (significando não me riu assim fácil fácil)
assim fácil… mas se conheço quem está a minha volta, se confio, se respeito se
admiro se gosto se amo então dou-me totalmente e completamente e sem medida. Ou
melhor com a medida do infinito.
Sou amiga amiga e amiga mesmo. Dou a
camisola, o casaco as calças a comida enfim dou-me sem medida.
Acho que o que quero dizer é que sou
tímida. Muito sensível embora disfarce bem como o raio. Acho que a maior parte
das pessoas até tende a considerar-me bruta e fria. Filho, como está longe do
real. Acho que quem chega perto o suficiente sabe que eu (como tu acho eu) sou só
só coração. Sofro com a injustiça aquela que sinto na pela e aquela que sinto
nos outros.
Não sou de chorar muito, choro de raiva
e choro quando vejo que as pessoas não estão a fazer o que deviam estar a fazer…
o que quero dizer é que as vezes eu vejo determinados caminhos como o caminho certo a seguir e sofro quando as pessoas não vêm o mesmo que eu.
Estudei muito e fui até ao fim… fiz um
doutoramento que amei fazer mas que adiou a minha verdadeira vocação… ter
filhos (felizmente apenas adiou) … sofri para o fazer quer a nível pessoal quer
profissional se me perguntares se o faria de novo a resposta é um redondo
sim. Pelo desafio pelo imenso e total desafio. Foi maravilhoso.
Acho que definitivamente a palavra que
me define é não ser “mais um” não ser “normal” mas fui aprendendo a ser um
diferente melhor um diferente enquadrado.
Sou muito impulsiva e apaixonada pela
vida e pelas pessoas. Já sofri tanto por ser assim mas prometo não mudar nunca.
Sempre vou acreditar na importância do amor. Na verdade. Na vida boa. Na
partilha. No sol na cara. Nos pés na água.
Acho que sou também extremamente
sensitiva no sentido que consigo perceber as necessidades dos outros com
clareza.
Namorei quem quis. E quem me quis mesmo tambem me namorou. E ainda bem. Adoro
namorar. Adoro apaixonar-me. Adoro as borboletas na barriga. Adoro beijar de língua.
Adoro abraços. E amar. Amo amar e ser amada. Nasci para isso também. Amo sem
medida e sempre o vou fazer. Sem medos.
Acho que as pessoas no geral me
consideram uma pessoa corajosa eu não concordo. Gostava de ser e tento ser
todos os dias. Não gosto de pessoas medrosas e cobardes. Não gosto de pessoas
sem carácter sem espinha dorsal. Não gosto da flexibilidade de valores. Aliás
sou ate um bocado intransigente nesse ponto.
Não julgo ninguém mas … não mudo.
Não gosto de ter ao pé de mim pessoas
que mentem, pessoas sem carácter preguiçosos, pessoas falhadas de mal com a
vida e que se recusam a evoluir (repara que não disse crescer disse
propositadamente evoluir… acho que todos tem direito a não quererem crescer mas
não evoluir e ficar preso ao “sempre foi assim sempre assim será” isso sim
tira-me do serio).
Considero-me uma pessoa educada e afável.
Mas isso as vezes pode ser entendido como ser distante e pensar que sou
superior mas nada disso. Como te disse sou essencialmente tímida. Mas sou
incapaz de não cumprimentar as pessoas com que me cruzo conheça ou não.
Gosto de ajudar de várias maneiras quem
se cruza comigo. Acho que sempre fui assim. E acho que algumas pessoas se
assustam com isso porque no mundo de hoje acho que muitas pessoas só fazem aos
outros se esperam receber em troca… e isso para mim não é o caso. Gosto de
marcar as pessoas de alguma maneira… acho que a ideia que dai a uns anos alguém
se lembrar de mim por alguma coisa que eu fiz ou dei ou participei e não pela
pessoa que sou é o que mais me fascina. É o que me move. Acho que deve ser por
isso que não sou rica se fosse gastava tudo a ajudar os outros.
O que é banal e normal sempre me aborreceu,
vestir igual, ser igual, beber igual, comportar igual para mim aborrece-me e
muito.
Detesto gente ignorante e burra. Detesto
pessoas que se recusam a aprender ou por vergonha ou por burrice mesmo.
Detesto.
Acho que pelos padrões da sociedade atual
eu não sou uma pessoa porreira, nem fixe … não vou aos sítios dessas pessoas não
faço o que essas pessoas fazem. Mas acho que a maioria das pessoas com que
trabalho me considera a pessoa mais adequada do mundo. Acho que só a idade e a
vida te vão fazer entender o que é ser adequada.
Sou muito exigente comigo. E isso pode
complicar. Pode tirar-me a boa disposição pode ser muito difícil estar ao pé de
mim quando tenho um problema que não consigo resolver assim fácil. Tenho
crescido e mudado muito e evoluído muito, mas mesmo assim as vezes complica. O
que eu gosto que quem esteja ao pé de mim saiba e que o amor não muda e que eu
só preciso de tempo e a coisa vai. As vezes em silêncio mas não é por não
confiar é por não conseguir explicar. Percebes?
Sou total e obstinadamente perfecionista
as vezes pode complicar muito. Porque por causa disso não consigo confiar no
outro para fazer as coisas não sou capaz de partilhar com os outros as
necessidades e pode complicar.
Trabalho muito e muito e durmo pouco e
pouco. Sempre fui assim. E sou assim com tudo pode ser trabalho pago ou
voluntario podem ser bolos ou colares. Em tudo em estico ao máximo em tudo vai
ao limite em tudo eu meto a alma e o coração.
Gosto muito do que faço mas fazia
qualquer outra coisa. Eu não sou o meu trabalho eu sei muito bem quem sou e sou
a tua mãe, a filha da Júlia, a amiga deste e daquele, a amante, a confidente, a
colega, a mulher, a namorada. Isso é quem eu sou. Eu sou para os outros mas
para ser completamente e totalmente eu gosto (e faço sempre por gostar) do meu
trabalho. Trabalhar não é o que sou mas é importante. Trabalho para ter
segurança financeira e porque? Para poder viajar com quem amo. Viajar e a
segunda coisa que eu gosto mais de fazer na vida (a seguir a ser mãe) viajar é
maravilhoso se pudesse só viajava. Adoro comer comida diferente, ouvir os sons
diferentes, dormir em camas que não a minha e viajar sem medos pelas vilas e
cidades do mundo. Por isso trabalho para poder viajar. Trabalho para te poder
dar uma escola, uma educação que te de ferramentas para a vida e trabalho para
poder tratar de mim sem te dar trabalho quando la mais a frente não poder
trabalhar. Eu acho que eu sou de uma geração cheia de privilégios em que os meus
pais me ajudaram (e em alguns casos de pessoas da minha geração ainda ajudam) e
eu? Será que é pedir demais trabalhar para poder ajudar te também a ti?
É para isso que trabalho. O meu trabalho
não é trabalho das 9 as 17. Não sei se felizmente se infelizmente trago com frequência
trabalho para casa e tenho também que fazer um esforço grande para me atualizar,
tenho cursos, congressos, projetos… enfim não digo que não gosto da adrenalina e
de … lá muito de vez em quando acontecer uma experiencia genial, um artigo
genial ou algum reconhecimento pelos meus pares. Mas não é para isso que vivo.
Não gosto de aparecer. Detesto até. Dai que escrever seja a minha maneira
preferida de ser eu.
Para mim a única coisa que tem de ser
são as pessoas que amo. Mesmo que por elas tenha de fazer sacrifícios que as
vezes me afastam delas. Percebes?
Para poder passar tempo de qualidade
contigo as vezes tenho de sacrificar a quantidade mas o amor é o mesmo.
Sou muito teimosa mas não sou orgulhosa.
Tenho uma dificuldade enorme em me
perdoar e me desculpar mas consigo fazer isso com os outros mais facilmente.
Não gosto de falar dos outros e não
gosto de me queixar de nada. Nem de dores. Acho que para a frente é o caminho.
Não sei se sabias tudo ou nada disto.
Mas com pinceladas largas e sem regra essa pessoa é mais ou menos eu. Mas meu
amado filho como te disse eu não gosto de falar de mim… fala com quem me
conhece e nunca tenhas vergonha de perguntar nada a meu respeito.
Podes um dia mais tarde perguntar se a minha
tese é uma seca?
Se os meus beijos são agradáveis?
Se eu sabia cozinhar e o que gostava de
ler?
Enfim acho que por hoje chega
Amo-te muito
Tua mãe
Just... Love it...
ResponderExcluirBeijinhos Ana... e um grande beijinho ao Estevão... que deve ter muito orgulho na mãe que tem...
Rute obrigada pelas tuas palavras!
Excluirabraço forte
Ola Ana, nao sei se sabia, mas gosto muito de ler o seu blog.
ResponderExcluirA Ana e tao bonita. Escrevo hoje , porque a Ana resolveu falar de si, e eu acho que tenho uma palavra a dizer, se quiser para um dia mostrar ao seu filho. Eu que falo com muita gente e gosto muito de "gente", quero deixar aqui escrito que a Ana e dos seres humanos mais completos que tenho conhecido.
E digo completo e nao perfeito, porque a imperfeicao faz parte de nos e faz nos caminhar, e faz nos aprender a amar a nos e aos outros mesmo com a imperfeicao.
Fernanda o que sou ... sou porque os nossos caminhos se cruzaram.
ExcluirE que maravilha isso foi!
abraço
Ana, que bom que foi ler-te.
ResponderExcluirPrimeiro porque já se passaram uns belos anos desde os Verões passados juntas em Sesimbra. Depois porque ao ler as tuas palavras revejo-me em muita coisa. Por fim porque não sou boa escritora e admiro quem tem a capacidade de se expressar, desta maneira de forma verdadeira e com o coração.
Perguntei-me :
- Será que um dia vou conseguir escrever algo assim para a minha
filha Alice, que tem hoje 9 meses?
Talvez quem sabe, mas se não for pela escrita será de outras formas e com toda a certeza, a todos os momentos em que os nossos olhos ficam presos e que ela me lê, bem dentro de mim, bem dentro da minha alma.
Tive vontade de partilhar contigo uma passagem da minha vida, bem sei que este é o teu blog, o teu espaço mas mesmo assim vou arriscar esta partilha.
Quando tinha 12 anos, um dia a minha mãe ( já na altura com cancro avançado), chegou perto de mim e disse que queria falar sobre a minha família, queria que eu conhece-se a historia dos meu Avós e bisavós. Não numa perspectiva humana mas sim numa perspectiva de importância nobliatica, ou seja brasão de família, feitos de família e por ai adiante.
Bom, eu olhei para ela, com 12 anos e disse-lhe que não tinha conhecido os meus Avós nem Bisavós e que era mais importante para mim saber quem ela era, pedi-lhe para me falar dela, do que ela sentia, o que tinha vivido, o que não tinha vivido...... A minha mãe não foi capaz de dizer uma palavra, ficou muito chateada comigo e literalmente virou-me as costas. A minha mãe faleceu 2 anos depois e ate hoje sinto, por vezes, triste por saber tão pouco sobre ela, existe um misto de recordações boas e más, com um nevoeiro á volta, por não saber ao certo o que era verdadeiro e genuíno nela e o que não era. Por isso esta carta que escreves para teu filho me tenha tocado tão profundamente. Não sei se será importante para Alice saber quem eu sou mas tenho a certeza que ao longo do seu crescimento farei para que conheça sim, o meu lado de mãe como também o meu lado humano, de pessoa, ser humano com todas as suas qualidades, defeitos características que me completam.
Desculpa a minha dissertação e já longa mensagem !
Um bem haja muito grande e mais uma vez grata por esta linda carta
Inês Alvim
Ines que bom ler-te....
Excluirtens uma filha linda!
este espaço é sempre sempre sempre teu vem le escreve e deixa-me supreeender por ti
abraço e felicidades à Alice
abraço