Meu muito amado filho Estêvão
O
tempo passa amor, o tempo passa sem parar sem nunca parar, nunca.
Uma
das coisas que o tempo me trouxe e que nem sempre gosto muito de pensar é a
certeza que somos apenas banais, salvo o Newton, o Mandela, o Churchill, o Elvis,
o Neil Armstrong e outros poucos muito poucos, quem somos só é importante para
a nossa família e os nossos 3-4 amigos e mais nada.
Perceber
que não somos nada de especial, que não vamos ganhar um Nobel ou mudar o mundo
põe-nos no lugar, pensar que somos apenas um elo na corrente da vida somos uma areia
minúscula, somos uma rotina que acorda de manha e tenta fazer o melhor que pode
e consegue mas que em breve será coisa alguma. Pensar que na melhor das hipóteses
vamos tocar o coração de 2-3 pessoas em todo o universo, pensar que quando
fecharmos os olhos o mundo ficara exatamente na mesma que quando existíamos,
ajuda talvez a tornar tudo mais relativo.
Se
eu tivesse jeito de desenhar desenhava agora aqui o modo como vejo a vida, como
as placas tectónicas em que uma vai se afundando debaixo de outra devagar milímetro
a milímetro mas sem parar e quem la esta segue com a placa derrete e desaparece
e será só carbono e mais alguns elementos que ficam e nada mais.
O
que o ser adulto me trouxe, o que ter 48 anos hoje me trouxe foi a certeza de
ser só mais uma pessoa de não ser melhor de modo algum que ninguém foi a certeza
de ser absolutamente substituível foi a certeza de ser coisa nenhuma de
especial de não haver títulos que sirvam de não haver coisas que valham nada
somos pó e nada mais.
Tu
és o meu pó preferido por ti faço tudo mas eu e tu e a nossa história é nada na
imensidão do tempo que passa da terra que gira. Sem fim sempre.
Valerá
a pena ter nascido para ser apenas banal ? Valerá a pena ter nascido para ser
apenas mais uma? O que importa o que faço se o que faço nenhuma diferença faz? Estou
certa varias vezes na tua vida estas perguntas vão vir em força na tua cabeça,
vais por tudo e tanto em causa. Vale meu filho vale a pena pelo amor vale a
pena. Vale sempre a pena. Há dias que vais viver na tua vida que vão ser
perfeitos: terás um corpo a temperatura vai ser amena o sol vai brilhar no céu
terás comida a teu gosto no prato, vais poder meter os pés no mar, receber um
abraço do teu amor, vai haver uma brisa suave um cheiro bom, um riso fácil e
vais pensar que Deus é bom, e é mesmo nesses dias vais pensar que és o rei do
mundo que tudo é bom que valeu a pena teres nascido e viver aqui e agora, vão
haver outros dias em que estas sozinho completamente sozinho em que sentes o
peso do mundo e da responsabilidade nos ombros em que vais sentir a ingratidão,
o desespero pelas escolhas, vais sentir falta de amor, vais sentir medo e vais
sentir que o mundo é injustiço…. O que fazer ? Não sei bem, desculpa se a
resposta te desilude, eu normalmente choro sozinha, rezo e peço que quem caminhou
um dia sobre as águas e alimentou multidões me venha dar uma mão, uma
esperança, sei que é logo depois da noite mais escura que o dia vem e a luz também,
sei que na vida são precisos apenas alguns segundos de coragem absurdamente
louca para seguir em frente.
Há
uma cena num filme o Titanic em que o ator Leonardo de Caprio diz a
protagonista na eminencia do ultimo bocadinho de barco se afundar…. «é agora o
momento, fecha os olhos, respira fundo, dá-me a mão e nada para a superfície com
toda a força que tens» ….. na vida as vezes temos momentos destes é preciso levantar
as mãos ao céu, cair de joelhos, fechar os olhos e pensar que tudo passa na
vida tudo passa, faz a tua parte, põe te ao caminho, respira fecha os olhos e
confia.
Que
a certeza de sermos normais mortais não te assuste, que a certeza de sermos só
mais um que será lembrado apenas por 1-2 pessoas se tivermos sorte, não te
entristeça nunca.
Diz
a lenda que Alexandre o Grande pediu que quando morresse o pusessem nu num caixão
com a mão direita de fora do caixão, que o caixão fosse transportado por médicos
e que atras do caixão fossem atiradas todas as suas riquezas a quem assistia ao
funeral, o que tudo isto significa? Nascemos nus e sozinhos a chorar, quando
morrermos vamos também sozinhos nada de cá levamos dai ele estar nu e de mão de
fora vazia, a ciência no sentido de sabedoria que cá obtivermos é aquela que
nos transporta para o infinito mas nunca vai conosco e tudo aquilo que temos,
queremos, lutamos, prata, ouro, ferro, títulos, imagens, fascínios de nada nos
serve no fim é tudo atirado a quem cá fica e seguimos nus sozinhos nós e nós e
mais ninguém.
Hoje
maior hoje mais sentido hoje mais de mim para ti.
Amo-te
infinitamente.
Tua
mãe
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