quarta-feira, 19 de junho de 2013

148 - Morrer é só não ser visto

Meu muito amado filho
Hoje vou falar-te de um assunto que não interessa nada. Que nem importa. Nem é bom falar. Nem ninguém quer saber. Mas como o meu objetivo aqui é falar de tudo vou falar de tudo mesmo, mesmo sobre morrer.
Um dia vais perder alguém que amas muito. Eu vou morrer. A avó, a tia, o teu melhor amigo, o vizinho, aquele amigo de escola.
Um dia vais saber que o teu amigo está doente, ele que é maravilhoso está tão doente. Vai morrer.
Um dia vais pensar que aquela pessoa que é tão péssima continua viva e cheia de saúde quando aquela pessoa tão boa que tanto gostas está tão doente.
Um dia a filha do teu grande amigo vai estar doente, tão doente, e a tua alma vai ficar apertada. Bem apertadinha por ele, porque gostas tanto dele e te compadeces da sua dor. Porquê ela? Porque não outra pessoa qualquer?
Um dia vais saber que a pessoa que mais amas no mundo, o teu sol, o teu chão, o teu ar, está doente, vai morrer, ou sabes que morreu mesmo sem um adeus, sem nada nada simplesmente morreu. O teu coração vai chorar, o corpo dói, a alma sofre e tudo vai deixar de fazer sentido. A dor atordoa. Vais questionar a justiça, Deus, enfim tudo vais por em questão. Tantas pessoas más para morrer porque esta pessoa maravilhosa? Que Deus é este que não se compadece com a minha dor e me leva quem eu tanto amo?
Um dia a tua mulher vai estar gravida, de muito tempo ou de quase nada, já terá barriga ou ainda não teriam visto um coração a bater. Mas era vida. Era vossa essa vida para guardar e fazer crescer e amar, muito e muito; e o bebe vai morrer. Podes até nem perceber a dor dela porque tu não viste não tocaste não lambeste com a língua do amor paternal, ou podes sofrer em cada célula. Seja como for sofram os dois ou só um. Vais por tudo em causa.
Aproveito e faço aqui um parenteses. Um aborto por mais que não percebas. Não é só sangue ou dor física é dor de alma funda. Meu Deus. Funda. Se para ti for estranho, bizarro e ate um pouco incompreensível. Para quem te acompanha é tão real como perder uma perna. Apoio e olha FALA. Fala mesmo e ouve. Porque para ti pode ser só uma lembrança remota, para a mãe do teu filho será uma perda tatuada na alma a ferro e fogo para a eternidade. Para a eternidade. Para ti um dia poderás seguir o teu caminho e nem te lembraras disso para ela…que também poderá seguir o caminho dela será sempre a perda maior da vida e tu estarás sempre associado a essa lembrança. Como queres ser lembrado?

Volto à morte. Há um poeta português Mário de Sá Carneiro que diz “Morrem cedo os que os Deuses amam”. E caramba como é verdade.
Como lamentamos a morte de quem amamos como se fosse sempre cedo. E aliás é sempre cedo pelo amor que lhes temos. Mas daqui tens de tirar duas lições. Nunca percas nenhuma oportunidade de dizer a quem amas que os amas mesmo. Olha amo-te muito. Mesmo que te pareça demais. Mesmo que te seja estranho. Mesmo que quem oiça seja estranho. Diz hoje, amanha, diz quando estiveres feliz mas diz quando estiveres infeliz e até zangado. Amas. Diz. Amo-te. Nunca lamentares não teres dito. E dizer que amo-te nunca te fará arrepender de o teres dito.
A segunda lição é que a morte é tão inevitável como a vida. Alias a morte é um episódio da vida. Há centenas de crenças acerca da morte. Há quem ache que temos o céu à nossa espera. Há quem ache que voltamos uma e outra vez e há até quem ache que não há nada e que simplesmente morremos e voltamos a ser carbono, oxigénio e azoto.
Não importa como as tuas crenças te levarão a pensar na morte. O que hoje te quero dizer é que na minha opinião cada um de nós nasce com um propósito. O de sermos felizes. Total e completamente felizes. É dever nosso procurar essa felicidade. Nesse caminho temos um propósito a cumprir que quer queiramos quer não ele vai acontecer… as vezes cumprimo-lo aos 100 anos bem velhinhos, as vezes bastam 9 semanas na barriga da nossa mãe para que esse propósito se cumpra. Para que aquilo que vínhamos viver, aquilo que vínhamos ensinar se cumpra.
Dói? Como dói.
Dói quando tu és o pai do bebe de 9 semanas na barriga da mãe dele e tudo fizeram para que ele crescesse e vivesse e mesmo assim ele nem chega a nascer, ou quando tu és o pai da menina de 5 anos que sofre como os adultos com doenças que são de adultos e nunca de crianças quando tu pedes todos os dias a Deus para passar para ti a dor, a doença o sofrer, ou dói muito quando tu és o marido de uma pessoa que além de maravilhosa te vai fazer tanta falta e tu a sentes ir e só a queres aqui, aqui mesmo ao pé de ti… porque a vais amar sempre e o coração transborda de saudade apesar de ela ainda ali estar.
A raiva, não te vai levar a nada (eu sei que é inevitável) … pensa antes na alegria da tua alma se ter cruzado com a alma de um ser tão maravilhoso e tira dessa vida todos os ensinamentos que ela te estiver a dar. Seja uma vida de 9 semanas de vida intra-uterina, sejam 100 anos de vida cheia de coisinhas e coisinhas.
E se um dia, essa pessoa que tu chores seja eu… pensa que o maior propósito da minha vida era tu nasceres. Fazer-te a vida. Construir-te as células era o meu propósito. Fazer-te feliz o meu único objetivo.
E pronto falei de morte porque aqui se fala de vida.

Amo-te como os peixes o mar salgado.



Tua mãe



Nenhum comentário:

Postar um comentário

1052 - Carta a um filho de um pai (que não sou eu mas podia ser)

 Meu muito amado filho Estevão  Hoje do escritor Pedro Chagas Freitas [carta ao meu filho] Promete-me. Promete-me que vais tentar. Que vais ...