Meu muito amado filho
Hoje vou falar-te de um assunto que não
interessa nada. Que nem importa. Nem é bom falar. Nem ninguém quer saber. Mas
como o meu objetivo aqui é falar de tudo vou falar de tudo mesmo, mesmo sobre
morrer.
Um dia vais perder alguém que amas muito. Eu
vou morrer. A avó, a tia, o teu melhor amigo, o vizinho, aquele amigo de
escola.
Um dia vais saber que o teu amigo está
doente, ele que é maravilhoso está tão doente. Vai morrer.
Um dia vais pensar que aquela pessoa que é
tão péssima continua viva e cheia de saúde quando aquela pessoa tão boa que
tanto gostas está tão doente.
Um dia a filha do teu grande amigo vai estar
doente, tão doente, e a tua alma vai ficar apertada. Bem apertadinha por ele,
porque gostas tanto dele e te compadeces da sua dor. Porquê ela? Porque não
outra pessoa qualquer?
Um dia vais saber que a pessoa que mais amas
no mundo, o teu sol, o teu chão, o teu ar, está doente, vai morrer, ou sabes
que morreu mesmo sem um adeus, sem nada nada simplesmente morreu. O teu coração
vai chorar, o corpo dói, a alma sofre e tudo vai deixar de fazer sentido. A dor
atordoa. Vais questionar a justiça, Deus, enfim tudo vais por em questão.
Tantas pessoas más para morrer porque esta pessoa maravilhosa? Que Deus é este
que não se compadece com a minha dor e me leva quem eu tanto amo?
Um dia a tua mulher vai estar gravida, de
muito tempo ou de quase nada, já terá barriga ou ainda não teriam visto um
coração a bater. Mas era vida. Era vossa essa vida para guardar e fazer crescer
e amar, muito e muito; e o bebe vai morrer. Podes até nem perceber a dor dela
porque tu não viste não tocaste não lambeste com a língua do amor paternal, ou
podes sofrer em cada célula. Seja como for sofram os dois ou só um. Vais por
tudo em causa.
Aproveito e faço aqui um parenteses. Um
aborto por mais que não percebas. Não é só sangue ou dor física é dor de alma
funda. Meu Deus. Funda. Se para ti for estranho, bizarro e ate um pouco
incompreensível. Para quem te acompanha é tão real como perder uma perna. Apoio
e olha FALA. Fala mesmo e ouve. Porque para ti pode ser só uma lembrança
remota, para a mãe do teu filho será uma perda tatuada na alma a ferro e fogo
para a eternidade. Para a eternidade. Para ti um dia poderás seguir o teu
caminho e nem te lembraras disso para ela…que também poderá seguir o caminho
dela será sempre a perda maior da vida e tu estarás sempre associado a essa
lembrança. Como queres ser lembrado?
Volto à morte. Há um poeta português Mário de
Sá Carneiro que diz “Morrem cedo os que os Deuses amam”. E caramba como é
verdade.
Como lamentamos a morte de quem amamos como
se fosse sempre cedo. E aliás é sempre cedo pelo amor que lhes temos. Mas daqui
tens de tirar duas lições. Nunca percas nenhuma oportunidade de dizer a quem
amas que os amas mesmo. Olha amo-te muito. Mesmo que te pareça demais. Mesmo
que te seja estranho. Mesmo que quem oiça seja estranho. Diz hoje, amanha, diz
quando estiveres feliz mas diz quando estiveres infeliz e até zangado. Amas.
Diz. Amo-te. Nunca lamentares não teres dito. E dizer que amo-te nunca te fará arrepender
de o teres dito.
A segunda lição é que a morte é tão
inevitável como a vida. Alias a morte é um episódio da vida. Há centenas de
crenças acerca da morte. Há quem ache que temos o céu à nossa espera. Há quem
ache que voltamos uma e outra vez e há até quem ache que não há nada e que
simplesmente morremos e voltamos a ser carbono, oxigénio e azoto.
Não importa como as tuas crenças te levarão a
pensar na morte. O que hoje te quero dizer é que na minha opinião cada um de
nós nasce com um propósito. O de sermos felizes. Total e completamente felizes.
É dever nosso procurar essa felicidade. Nesse caminho temos um propósito a
cumprir que quer queiramos quer não ele vai acontecer… as vezes cumprimo-lo aos
100 anos bem velhinhos, as vezes bastam 9 semanas na barriga da nossa mãe para
que esse propósito se cumpra. Para que aquilo que vínhamos viver, aquilo que
vínhamos ensinar se cumpra.
Dói? Como dói.
Dói quando tu és o pai do bebe de 9 semanas
na barriga da mãe dele e tudo fizeram para que ele crescesse e vivesse e mesmo
assim ele nem chega a nascer, ou quando tu és o pai da menina de 5 anos que
sofre como os adultos com doenças que são de adultos e nunca de crianças quando
tu pedes todos os dias a Deus para passar para ti a dor, a doença o sofrer, ou
dói muito quando tu és o marido de uma pessoa que além de maravilhosa te vai
fazer tanta falta e tu a sentes ir e só a queres aqui, aqui mesmo ao pé de ti…
porque a vais amar sempre e o coração transborda de saudade apesar de ela ainda
ali estar.
A raiva, não te vai levar a nada (eu sei que
é inevitável) … pensa antes na alegria da tua alma se ter cruzado com a alma de
um ser tão maravilhoso e tira dessa vida todos os ensinamentos que ela te
estiver a dar. Seja uma vida de 9 semanas de vida intra-uterina, sejam 100 anos
de vida cheia de coisinhas e coisinhas.
E se um dia, essa pessoa que tu chores seja
eu… pensa que o maior propósito da minha vida era tu nasceres. Fazer-te a vida.
Construir-te as células era o meu propósito. Fazer-te feliz o meu único
objetivo.
E pronto falei de morte porque aqui se fala
de vida.
Amo-te como os peixes o mar salgado.
Tua mãe
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