quinta-feira, 23 de julho de 2020

849 - Maturidade AKA dar troco e também família AKA as árvores que somos e as rochas que seremos

Meu muito amado filho Estêvão

Hoje vai ser longo.

Sabes quando tu sabes que já não és um jovem?
Quando as conversas de "chacha" não te interessam mais.
Quando dormir é melhor que uma festa na sexta feira à noite.
Quando tu perdoas mais.
Quando tu respeitas e aceitas as diferenças entre ti e o outro.
Quando não tentas mudar ninguém só a ti mesmo.
Quando não forças o amor.
Quando a tua mente é mais aberta a novas experiencias.
Quando tu aceitas as dores do coração. As dores da tua infância.
Quando tu não julgas facilmente.
Quando tu preferes ficar em silencio.
Quando a tua felicidade não depende dos outros mas só de ti e do que está no teu interior.

Quando tu olhas para quem te magoou (as vezes até muito!) e preferes dizer: não te vou dar o troco que mereces e nem me vou tornar em alguém como tu.

Quando tu percebes que a família é a coisa mais importante da vida mas acima de tudo quando percebes que família não são só os filhos e o marido ou a mulher a família são os pais que temos de cuidar, de acompanhar, de beijar, de sair, de brincar, de respeitar, são os irmãos que são de facto a família maior que temos porque são transversais vêm do nosso passado e vão para o nosso futuro. Tu não tens irmãos de sangue (e como tu dizes e talvez com razão - tu não pareces ter irmão nenhum mamã!) arranja irmãos do coração aqueles amigos que vem de longe e vão para longe alguém com quem tu possas fazer uma chamada e chores 1 hora sem dizer uma palavra ou que possas rir sem parar três dias. A família são os tios longe ou perto faz te presente na vida dos teus tios, são os primos que são como os irmãos vêm de longe e vão para longe que te podem acompanhar e que com a maturidade vais mesmo querer manter perto. Nenhum de nós é uma ilha somos arvores, com raízes no chão dos nossos avós tão importante o convívio que tens com a tua avó o que ela te conta o que com ela aprendes que só ela te pode ensinar e não vem em livros. Somos raízes pelo pai e pela mãe que temos que também nos ensinam tanto e nos dão estrutura e tronco e somos ramos nos filhos nos primos que são os ramos mais velhos quase troncos e nos tios também. 
Um dia a tua madrinha Caia disse me uma coisa que sempre me lembro (e olha que eu sei que a tua tia é apaixonada pelo marido dela, o teu padrinho Alípio!) .... "marido não é família marido é companhia"... nesta vida nosso mesmo só pais, filhos e irmãos mantêm os sempre perto em vida em vida aprende com eles em vida, faz tudo isto em vida, não percas tempo em cemitérios a colocar flores ou a mandar rezar missas, lá não há quem aprecie lá como dizem as pessoas que seguem a doutrina espírita, "lá não está a essência", essa é a alma e é a alma que devemo acarinhar em vida, com palavras e ações, com convites para jantar, para o cinema com uma conversa boa, etc.
Quando eu morrer faz a minha cremação manda as cinzas ao mar em Sesimbra e pronto chega lembra-te de mim como eu era, o que te ensinei, o que eu fui em vida para ti, a que cheirava, o que nos fazia rir aos dois, o que me fazia ralhar, de onde eu vim e onde eu cheguei só isso. Alias francamente nem quero pessoas que nunca me foram nada a serio a chorar por mim, nem deixes, não deixes pessoas que não choraram comigo em vida chorar a minha morte não deixes mesmo.
Eu tenho muita muita pena de não acompanhar a vida dos meus sobrinhos de perto, de não poder conviver espontaneamente, dizer disparates como eu acho que as tias devem fazer, tenho pena de não ter um tronco irmão que esteja lá para as minhas dores e para as minhas alegrias, tenho muita pena da distancia, tenho tentado já em adulta aproximar-me da minha unica prima gosto muito dela, gosto mesmo desejo lhe o melhor sei que 25% do DNA dela é igual ao meu e isso é por si só razão do meu cuidado com ela. Sempre gostei muito dos meus tios acho os guerreiros sempre achei o meu tio lembra-me tanto o meu pai que chega a doer e vou sempre estima lo por isso. Quero que tenhas com a minha mãe a mesma relação que eu tinha com a minha avó que me dava almoço de empadas e salada a segunda feira porque sim, que me levava de ferias para o Balear e para Sesimbra que me levou dezenas de vezes ao ballet e ao teatro, que me contou tanto das pessoas que vieram antes de mim. 
Sabes eu tenho uma ideia de tempo como em geologia... milhões de anos.... nós não somos nada somos pó, pó mesmo e caminhamos para as junções entre as placas tectónicas para sermos matéria para a próxima rocha magnática e ponto somos só isso... quando morrermos não levamos nada o dinheiro deve ser quanto baste para eu poder apreciar te a ti, à minha mãe, aos meu amigos a mim mesma, a roupa deve ser o quanto baste para cobrir o meu corpo com dignidade e limpeza e ponto o resto são memórias são coisas que acontecem, são ver te rir, são aprenderes a ler a nadar e andares de bicicleta, trabalhares e seres muito feliz e continuares para a frente com o bastão caminhando rumo a zona de subdução das placas tectónicas para onde todos vamos - fazer rocha nova.
Vês a semelhança entre as rocha e nós? nós seremos o chão dos outros amanha e isso faz-se em vida com memórias com ensinamentos com companhia sempre, segue em frente com o bastão que agora é teu que já foi meu e antes foi do meu pai e antes dele do meu avô e segue e vai vai vai .... lembra-te somos uma árvore nunca jamais te esqueças das tuas raízes das mais fundas de todas, os avós as menos fundas os pais o tronco tu e os teus irmãos de sangue ou de coração e os ramos os primos com as folhas os filhos e os sobrinhos!   

Voa voa para longe e lembra-te que desta vida não levamos nada nada nada só o bem que fizermos o que ensinamos o que amamos e a quem fizemos bem. 
A zona de subdução é o que nos resta só isso nada mais por isso pensa no que fazes entre o momento que nasces e o momento em que serás mais uma rocha magnática. 


Amo-te infinitamente

Tua mãe

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