quarta-feira, 26 de maio de 2021

890 - Um separador de águas

 Meu muito amado filho Estêvão

Embora saibas ler há muito nunca leste isto que aqui te escrevo e quem sabe se algum dia o farás.

Tens quase 10 anos hoje, há ano e meio que vivemos num meio de uma situação pandémica que nos mudou a vida.

Eu tenho hoje 46 anos e trabalho desde os meus 14 anos. Já tive um cancro e ainda aqui estou. Já chorei de alegria e de tristeza tambem.

Quando fechar os olhos neste planeta Terra pela ultima vez irei descansada porque pelo menos tentei fazer de ti um homem bom feliz e merecedor deste planeta Terra.

Já te disse várias vezes que nunca deves desistir de primeiras das coisas, tudo na vida é dificil mas é nisso que esta o gozo, na luta, na evolução, no trabalho na conquista, puxa sempre a corda vai atrás do que queres do que é justo, do que precisas, mas hoje vou te falar do dia em que às vezes é para largar a corda.

As vezes a vida repete-se sem parar sem parar até que tu aprendas o que é para aprender dali e mudes. As vezes tu puxas tanto a corda que só te cortas nas mãos só te aleijas só sofres que é sinal que não há nada de valeroso no fim da corda. É dificil perceber a diferença mas acho que no teu coração um dia faz sentido que não é cobardia é coragem largar, que não é de Deus continuares a tentar, que esse não é o teu caminho o teu papel. E larga nessa altura larga. Com vergonha de não teres percebido antes mas larga mesmo.

Esta primavera tivemos os primeiros (unicos estou certa) bichos de seda da nossa vida, agora já quase só temos borboletas e dois ou três casulos mais teimosos. Outro dia perguntaste-me o que fazia eu com os casulos que sobram enquanto eu esvaziava o casulo e tirava a casquinha que sobra dos bichos da seda e que fica no interior do casulo. Eu disse vou guardar os casulos pode ser que me lembre de algo para fazer com eles algum artesanato sei la. Os bichos da seda já se deram inteiros primeiros como lagartas depois dentro dos casulos depois saem e só o tempo necessário para se reproduzir e por centenas de ovos. Esvaziam-se, dão se inteiros e no fim não sobra nada a não ser o tal casulo de seda quase inutil.

O tempo me julgará, tu me julgarás os dois serão justos ou injustos, correctos ou incorrectos mas acontecerá é inevitável, não foi assim que imaginei a minha vida nem nos meus mais recondidos pensamentos, não foi assim que pensei estar com 46 anos em  Lisboa, Portugal Europa em 2021 de modo algum, cumpri o que me foi pedido o melhor que consegui e tal e qual como o bicho da seda tambem eu me esvaziei completamente sou pele osso e uns kilos a mais que anda girando em torno do sol com um proposito trabalhar fazer dinheiro e ver te crescer. Era bom as vezes haver um botão de on e off nas pessoas como há com os brinquedos mas não há a cabeça sempre vai pensando e os orgãos sempre vão andando, mas as vezes tambem eles se partem e desistem e largam a corda, deixam ir, demora mais ou menos a acontecer mas acontece. 

O que sobra da vaca poderosa é uma carcaça pouco digna mas nunca esquecer a luta da vaca em vida. O casulo vazio do bicho da seda é tambem bem pouco digno mas não esquecer do caminho para ali chegar. Na vida não importa que tenham sido só derrotas ou só vitorias, importa sim o saldo importa sim o caminho o que se fez de bem e o que se amou.


Amo-te infinitamente


Tua mãe 

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