Meu muito amado filho Estêvão
Hoje vai ser grande….Senta-te e lê devagarrr.
De vez em quando eu já te disse antes eu conto-te coisas da minha vida. Hoje é um dia desses.
Há uns anos viajei em trabalho a Luanda, na altura era uma estudante de doutoramento que ia numa equipa de trabalho com o na altura meu orientador e mais 4 colegas… eu era a mais nova e a “menos graduada”. No dia da viagem de regresso, fizemos o check-in e todos nós tínhamos já cartões de embarque quando já nem sei bem porquê alguém percebeu que o meu cartão de embarque e o de outra colega tinham sido “comprados” por outra pessoa que pagou mais. Não é sobre isso que hoje te quero falar. Enfim eu e uma colega ficamos sem cartão de embarque numa 6ª feira a noite e só íamos sair de Luanda na 2ª feira seguinte. O meu chefe na altura disse que se ia embora e que eu e a minha colega ficaríamos. Eu na altura disse lhe uma coisa que até hoje em lembro… “Se assim for entre mim e si EU sou o oficial de mais alta patente porque o oficial de mais alta patente, o chefe, é o ultimo a abandonar a missão”. Lembro-me do que lhe disse porque: ele levantou o rabo da cadeira e foi resolver o problema e no fim fomos todos embora e lembro-me porque desde ai até ao dia de hoje respeitamo-nos muitos somos amigos.
Onde quero eu chegar?
O teu avó Francisco não era militar de careira mas foi ele que trouxe a bandeira de Moçambique (um dia falamos sobre o escritor Mia Couto e esta história), o teu bisavó também não era militar de careira mas foi dos poucos portugueses a voltar vivo para Portugal na 1ª guerra mundial (corpo expedicionário português), os dois estiveram ao nível de “oficiais de mais alta patente”.
Eu não nasci para chefe, nem para oficial de mais alta patente. Era aqui que queria chegar. Custa-me muito mandar. Custa mesmo. Acho que me falta inteligência emocional, falta-me desligar da pessoa e pensar na missão. Sofro à brava com os problemas dos outros, tento ajudar resolver, entender. Acho que tenho “entendimento” a mais e por isso mesmo me custa imensamente delegar, delegar trabalho, delegar tarefas.
Acho que nisso a educação militar é fantástica porque há sempre alguém que nos é superior e a escala de decisão torna a missão uma árvore bem bem grande, cada raiz, tronco, folhas com uma missão.
Diariamente tento perceber porque me custa tanto obedecer mas também porque me custa imensamente mandar. Tenho a certeza que parte do problema é sentir me constantemente avaliada por mim própria (tipo entidade superior), a exigência que tenho sob mim própria consegue ser assustadora até para mim. “Começa o dia por fazer a cama”, alguém algum dia disse e a partir dai constrói o teu dia… acho que é isso mesmo que se passa… a cama tem de ficar feita, os dentes lavados, o banho tomado, a roupa dobrada, o jantar adiantado, a roupa do dia seguinte verificada e com o trabalho é o pararelo… e se alguém não vir “aquilo”, e se os tubos não estão preparados, e se o prazo não for cumprido, por isso vou la e faço …. Isso não é militar, isso não é liderar, isso é falta de confiança. Isso não é ser líder.
Eu estou a tentar aprender e a tentar confiar (sim é a tatuagem do meu tornozelo!). Isso passasse também nas minhas relações pessoas, eu não quero dividir casa com ninguém, adoro a minha, não quero ir viver para casa de ninguém, não quero dividir compras de supermercado ou conta da luz… não quero nada nada nada disso. Quero companhia para jantar fora na 6 feira, quero ir ao cinema de vez em quando, quero ter companhia para aquele jantar que gostava de não ir sozinha, quero companhia para jantar de vez em quando chego a casa e o dia foi difícil como o raio, quero companhia na cama às vezes porque sim porque ninguém deve dormir sozinho sempre, quero ir caminhar para a serra da estrela só porque sim no fim de semana mas quero acima de tudo confiar … lá esta, que alguém vai la estar e vai fazer a sopa para naquele dia não ser eu a faze-la, tenho de confiar que nem todas as pessoas que se chegam a mim são do mal, tenho de confiar que …. Tenho de confiar.
Um soldado confia nas ordem que recebe, um capitão dá as ordens com confiança desta confiança entre duas pessoas uma que manda e o sabe fazer e outra que obedece e o sabe fazer surgem sempre coisas boas.
Não daria um bom militar …. E já vou tarde para isso mas posso tentar aprender a confiar no trabalho do outro, alias confiar no outro.
Um dia disseste-me que eu sou tímida. Não sou filho, não sou mesmo, mas sabes o que me falta: vontade de arriscar fazer figura de parva no amor, nos meus sonhos, na vida. Falta a leveza do confiar.
Confiar que o trabalho vai ser bem feito.
Confiar que o prazo vai ser comprido.
Confiar que qualquer homem que esteja a minha frente não é um lobo mau arraçado de psicopata.
Tem sido o meu processo. Confiar no outro e deixar me surpreender pela eficiência do outro, pela verdade do outro.
Um dia poderemos falar melhor sobre a minha dificuldade em confiar … até faço outra tatuagem bem maior a dizer …. “miúda deixa-te de merdas!”
Amo-te infinitamente
Tua mãe
Não me interessa saber como ganhas a vida. Quero saber aquilo por que anseias, e se te atreves a sonhar com o que o teu coração deseja.
Não me interessa a tua idade. Quero saber se te arriscarias a fazer figura de parvo por amor, pelos teus sonhos, pela aventura de estar vivo.
Não me interessa que planetas estão alinhados com a tua lua. Quero saber se chegaste ao âmago da tua própria tristeza, se as traições da vida te abriram ou se murchaste e te fechaste com medo de outras dores.
Quero saber se consegues viver com a dor, a minha e a tua, sem a dissimulares, a atenuares ou a remediares.
Quero saber se consegues experimentar com plenitude a alegria, a minha e a tua; se consegues dançar com frenesim e deixar que o êxtase te penetre até à ponta dos dedos dos pés e das mãos sem que a prudência nos chame a ser cuidadosos, a ser realistas, a recordar as limitações próprias da nossa condição humana.
Não me interessa saber se o que me estás a contar é verdade. Quero saber se consegues dececionar outra pessoa para seres fiel a ti próprio; se conseguirias suportar a acusação de traição e não atraiçoar a tua própria alma...
Quero saber se consegues ver a beleza, mesmo que não seja agradável, em cada dia e se consegues fazer com que a tua própria vida surja da sua presença.
Quero saber se consegues viver com o fracasso, o teu e o meu, e de pé na margem do lago gritar à forma prateada da Lua cheia: «SIM!»
Não me interessa saber onde vives nem quanto dinheiro tens. Quero saber se consegues levantar-te depois de uma noite de aflições e desespero, esgotado e magoado até aos ossos, e fazer o que seja necessário para alimentar os teus filhos.
Não me interessa saber quem conheces nem como chegaste até aqui. Quero saber se te manterás no meio da fogueira comigo e não a evitarás.
Não me interessa saber onde nem com quem estudaste. Quero saber o que te sustenta no interior, quando tudo o mais tomba. Quero saber se consegues estar sozinho contigo e se na verdade aprecias a tua própria companhia nos momentos de vazio.
- Oriah Mountain Dreamer