Na tua cabeca de menino daqui a uns anos talvez já não tenhas memória da Biza Lili. Mas ela terá sempre de ti.
Em vida dela, ela beijou-te, amou-te, riu-se de ti e contigo, deixou-te coisas que mais tarde vais apreciar. Ela partiu. Tu sabes que ela partiu. Sabes que ela está a descansar e a olhar por nós e eu vou-te deixar aqui a homenagem que li no funeral da minha avó tua biza que embora já tenha passado um tempo só agora consegui escrever.
Doi os olhos a alma a saudade que tenho de abraçar a minha avó. Mesmo.
Tens tanto dela, como eu. A vontade de ser feliz, o riso, o aproveitar tudo o que a vida nos dá com verdade e respeito ao proximo.
Saudade
Como disse alguém, quando
se parte em direção ao Senhor com 100 anos não se faz um funeral mas sim uma
homenagem e é uma pequena homenagem que quero deixar aqui à minha avó.
Todos aqui guardamos uma
ou mais memória da avó Lili, da tia Lili, da mãe Lili, da biza Lilia e da dona
Lili.
Não conheço ninguém para
quem faça mais sentido o texto Itáca do que para a minha avó.
Se
partires um dia rumo à Ítaca
Faz votos
de que o caminho seja longo
repleto
de aventuras, repleto de saber.
Nem
lestrigões, nem ciclopes,
nem o
colérico Posidon te intimidem!
Eles no
teu caminho jamais encontrarás
Se altivo
for teu pensamento
Se sutil
emoção o teu corpo e o teu espírito. tocar
Nem
lestrigões, nem ciclopes
Nem o
bravio Posidon hás de ver
Se tu
mesmo não os levares dentro da alma
Se tua
alma não os puser dentro de ti.
Faz votos
de que o caminho seja longo.
Numerosas
serão as manhãs de verão
Nas quais
com que prazer, com que alegria
Tu hás de
entrar pela primeira vez um porto
Para
correr as lojas dos fenícios
e belas
mercancias adquirir.
Madrepérolas,
corais, âmbares, ébanos
E
perfumes sensuais de toda espécie
Quanto
houver de aromas deleitosos.
A muitas
cidades do Egito peregrinas
Para
aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo
o tempo ítaca na mente.
Estás
predestinado a ali chegar.
Mas, não
apresses a viagem nunca.
Melhor
muitos anos levares de jornada
E
fundeares na ilha velho enfim.
Rico de
quanto ganhaste no caminho
Sem
esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela
viagem deu-te Ítaca.
Sem ela
não te ponhas a caminho.
Mais do
que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não
te iludiu
Se a
achas pobre.
Tu te
tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora,
sabes o que significam Ítacas.
Constantino
Kabvafis (1863-1933)
in: O
Quarteto de Alexandria - trad. José Paulo Paz.
100 anos de caminho. E que
caminho?!
Os netos
são como heranças: quem é avó ou avô ganha-os sem merecer. Sem ter feito nada
para isso e de repente caem lhe do céu... É como dizem os ingleses, um ato de
Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimónio, sem
as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto. O neto é,
realmente, o sangue do sangue, o filho do filho, mais que filho mesmo...
Eu quero aqui agradecer à minha avó três coisas
fundamentais.
Obrigada avó pelo tempo que me deste. Contigo eu aprendi
que ser avó não é ser ajudante dos pais é ser avó e isso significa deixar marcas
na alma. Quem ajuda os pais é baby-sitter, quem leva e trás os netos da escola
é a carrinha, tu foste avó de dares tempo, jamais te esquecerei por isso mesmo,
levaste-me à Gulbenkian a concertos, a bailados e no intervalo davas-me um sumo
de laranja, sempre me destes mais gelados dos que a minha mãe sabe que deste… e
isso será sempre o nosso segredo, levaste-me a praia, falamos de coisas muito
importantes como quem eram os meus antepassados, ensinaste-me a rezar o terço
como quem crê mesmo, como quem quer ser ouvido, ensinaste-me a aproveitar o
melhor da vida sempre de sorriso nos lábios e dentes lavados, ensinaste pelo
exemplo a fazer valer a pena viver e lutar até ao ultimo segundo por estar viva
e aproveitar a vida no total. Obrigada por não teres sido a ajudante dos meus
pais mas sim verdadeiramente a minha avó. Ensinaste a minha mãe a ser avó para
o Estêvão, uma avó como tu que dá tempo, que leva a praia e ao teatro e fala
sobre as estrelas e as plantas e quem são as pessoas que nos fizeram e já cá
não estão.
Obrigada avó por me ensinares a importância de um colar
de perolas, de um sorriso na cara e da mágica palavra “obrigada”. Obrigada pelo
exemplo que a tua vida foi para mim.
Mesmo magra e doente como estavas ultimamente não me vou
esquecer mais das últimas gargalhadas que destes há 15 dias quando o Estêvão te
visitou e rebolava por cima da cama a ver os desenhos animados na cama do lado!
E os beijos que davas? E as festas que pedias? Sempre
serás lembrada.
A última coisa que te quero agradecer é o facto de me
teres amado como eu sou como esta Ana que recebeste de neta, acho que tinhas o
maior orgulho da Inês e meu e como deve ter sido difícil entender o pensamento
de 2016 quando se nasceu em 1915. Mas tu fizeste-o primorosamente.
Há um pouco de ti na Madalena, no Estêvão e no Vasco e
isso é maravilhoso porque é assim a vida, um eterno caminho. Um dia a Madalena
vai por um colar de perolas e vai ficar chique como tu ficavas, o Estêvão vai
dar gargalhadas com os olhos como tu davas e o Vasco vai dar beijos deliciosos
e a semente que cá deixaste já terá dado frutos.
Descansa em paz e olha por nós e como diz alguém muito
mais sábio que eu …. Agora com a avó no céu é que a festa vai começar!
Termino com um texto que gosto muito.
A morte
não é nada.
Eu
somente passei
para o
outro lado do Caminho.
Eu sou
eu, vocês são vocês.
O que eu
era para vocês,
eu
continuarei sendo.
Dêem-me o
nome
que vocês
sempre me deram,
falem
comigo
como
vocês sempre fizeram.
Vocês
continuam vivendo
no mundo
das criaturas,
eu estou
vivendo
no mundo
do Criador.
Não
utilizem um tom solene
ou
triste, continuem a rir
daquilo
que nos fazia rir juntos.
Rezem,
sorriam, pensem em mim.
Rezem por
mim.
Que meu nome
seja pronunciado
como
sempre foi,
sem
ênfase de nenhum tipo.
Sem
nenhum traço de sombra
ou
tristeza.
A vida
significa tudo
o que ela
sempre significou,
o fio não
foi cortado.
Porque eu
estaria fora
de seus
pensamentos,
agora que
estou apenas fora
de suas
vistas?
Eu não
estou longe,
apenas
estou
do outro
lado do Caminho...
Você que
aí ficou, siga em frente,
a vida
continua, linda e bela
como
sempre foi.
Henry
Scott Holland
Não se
passou ainda um dia desde que partiste que não pense em ti durante o meu dia.
Sei que estas bem junto de Deus e dos teus mas por cá deixaste saúde imensa.
Amo-te demais
Tua mãe
Maravilhoso Ana! Sem palavras. Um beijinho
ResponderExcluir