sexta-feira, 6 de setembro de 2013

192 - A vida dá tantas voltas, morrer é só não ser visto e outras coisas mais pessoais que te quero dizer hoje

Meu muito amado filho Estêvão
A vida dá mesmo mesmo mesmo muitas voltas e o que tinha programado escrever-te aqui hoje afinal não vai ser hoje porque hoje, sim hoje tenho outras coisas que hoje fazem muito mais sentido partilhar.

Ontem à noite estive num velório da avó de um amigo teu e de uma amiga da mãe. Morrer é horrível para quem fica. Mesmo. A morte implica uma logística muito complicada para os que ficam, os rituais da morte na nossa sociedade nem sempre são simples de vivenciar... há o velório onde os amigos, conhecidos e família vêm prestar homenagem a quem parte, vêm apoiar quem fica, vêm mostrar-se disponíveis enfim.
A morte é efectivamente um ponto de quebra muito triste.

Há milhões de livros que falam sobre a medicina da morte, a filosofia da morte, o sentido da morte, a antropologia da morte e dos seus rituais. Não é sobre nada disso que aqui te falarei hoje mas queria muito partilhar contigo um pouco a minha conversa com a minha amiga que ontem perdeu a avó e onde falamos sobre a minha/dela/nossa visão da morte.
Quero que a conheças por mim. Quero que saibas o que penso. Quero que penses nisso um dia que quem esteja morta seja eu.

Para mim morrer não é de maneira nenhuma o fim. É só mais uma etapa. Só que para onde vamos os outros não nos vêm... pelo menos com os olhos que vêm o sol e a fruta nas árvore... mas podem ser vistos com os olhos da alma, com os olhos do coração. Quando a dor física da perda ameniza então poderás sempre ver quem já cá não está.
Perder um pai como eu perdi já, ou a mãe, ou o avó ou a avó, ou o primo, a a mulher é horrível de doloroso... uma tristeza imensa invade o peito, uma saudade horrível da pessoa que amamos, uma revolta pela partida, um sentimento de injustiça, a sensação do "porque esta pessoa que eu amo e não outra pessoa qualquer?".... tudo isso é normal, é natural, é até expectável.... chama-se luto e tem de ser feito. Mas tudo isso é de quem fica... quem parte vai em paz.
E é essa a certeza maior que eu tenho na minha vida. Nos morremos quando a nossa missão de vida é cumprida. Isso pode demorar uns meses ou 100 anos... mas acontece quando o ciclo se fecha... é horrível pensar o sentido que tem o pai morrer aos quarenta e tal e deixar filhos adolescentes.... mas fixa que em relação à morte como em relação a tantas outras coisas .... os desígnios de Deus são intangíveis... ou seja não são para nós os percebemos... nos só vimos uma parte bem bem bem pequenina e o "filme" todo só Deus conhece.
A morte é parte desse filme.
Deus leva para si quem ama, quem já cumpriu o seu destino vai para perto do Pai. Essa é a minha convicção. Respeito todas as outras mas como te disse o que te ia partilhar aqui era a MINHA ideia da morte.
Um sentimento que muitas vezes fica em quem cá fica é que podia ter feito mais, é que podia ter estado presente, é que não acompanhou como devia, é que ficou tanto por dizer por fazer.
Vou te contar duas historias. Quando o meu pai faleceu eu estava a trabalhar, alias para te ser muito muito muito franca quando a medica me avisou que o teu avó Francisco havia falecido eu estava a almoçar... ia morrendo... na véspera mesmo na véspera tínhamos jantado juntos e tinhamos estado 2 horas só a conversar, dividimos a gelatina dele eu levantei-me dei-lhe um beijo na testa e sai pela porta e disse "adeus pai ate amanha" era minha ideia ir ter com ele as 16 horas do dia seguinte... na manha seguinte ele sozinho no quarto teve uma embolia pulmonar e morreu assim mesmo sozinho. Sem ninguém ao pé dele. Na altura todos esses sentimentos me invadiram a cabeça. E se... E se... E se.... ???? Se eu te dizer que essas 2 horas de conversa com o teu avó foram maravilhosas e que dissemos imensas coisas um ao outro ... foi isso.... estava tudo dito, não havia mais nada a conversar, mais beijos a dar, mais nada a fazer.... tudo estava dito, feito... e ele foi.
Se eu la tivesse estado ele ia na mesma. Nascer e morrer são as acções mais solitárias da grande jornada que é a vida.
Vou te contar a segunda historia.... quando tu nasceste... era segunda feira e eram 15:15... eu fui internado no domingo antes logo de manha... o teu pai esteve sempre sempre ao meu lado eu acho que ele nem agua bebia com medo de ir a casa de banho e tu nasceres e ele não ver... o tempo foi passando e nada acontecia e o domingo foi e segunda veio e nada acontecia.... as 1230 o teu pai muito contrariado foi ao bar comer e de repente tudo acontece e em 5 minutos (literalmente) eu vou ate a sala de partos etc etc etc... lembro-me do teu pai entrar na sala as 14 furioso que tu ias nascer e ele não ia ver... mas viu e tudo correu bem... a vida não é um momento... a morte é um momento... se nós formos amigos, respeitarmos, amarmos, fizermos felizes, acompanhar-mos as pessoas a nossa volta .... isso é que é importante ... é durante a vida toda, não é na morte... se tu estiveste sempre comigo na minha vida se foste meu amigo e no momento em que a minha vida acabou não estavas.... ainda bem... porque estiveste muito mais presente que ausente.

Se algum dia depois de eu falecer tu sentires que eu estou ao teu lado. É porque estou mesmo.Não tenhas medo. Só sente.
Se aquelas coisas que são familiares na nossa vivência as sentires mais tarde ... sou só eu a matar saudades tuas. Não te assustes.
Onde eu estiver estarás comigo.

Nunca te agarres as coisas das pessoas que partiram. São coisas e coisas nada valem. Deixa fluir, deixa seguir. Não guardes nada meu que não te seja mesmo útil, não guardes recordações de coisas.... guarda recordações de ensinamentos de atitudes de sentimentos de historias de partilhas.... as coisas dá, vende, deita fora... diz S. Tomás...usa as coisas tanto quanto te façam sentido no amor a Deus, na vida que deves ter .... as coisas em si nada valem.
Nem o corpo nem as células que o compõem.... isto é só o envelope seco e vazio... quem lhe dá forma é alma e o coração... e são esses que deves lembrar dos mortos ... e isso são lembranças de coração.

Nada que aqui te escrevo é triste nunca penses nisso assim.
Falei-te da minha perspectiva, nada mais.

Mas agora falo-te de outra coisa que gostava aqui de partilhar contigo.
Como mãe durmo e acordo com imensas duvidas de como fazer as coisas bem contigo e do que posso fazer para te ajudar a seres o mais feliz que puderes e gostava aqui de te dizer que acho que encontrei um resumo mais ou menos de todo o universo de coisas que são as tarefas dos pais....

Acho que tenho obrigação de te dar três instrumentos para a vida:
1 -  De sobrevivência e trabalho, fazer te capaz de ler, de escrever de contar, dar-te as ferramentas básicas de trabalho, pagar-te a escola garantir que tiras uma licenciatura se for essa a tua vontade, ou que estudas musica se for essa a tua vontade, ou ballet, ou futebol, ou cozinha.... enfim garantir que terás como te sustentar de um modo digno e honesto sem enganar ou prejudicar ninguém.
2 - Ensinar-te a liberdade, a amares pela pessoa e não pelo laço que existe, a seres livre de ires ou vires, a quereres sempre aprender toda a vida seja o que for, a manteres a tua curiosidade permanente sem medo de testares e de lutares pelo que acreditas e ainda o sentido da verdade e da justiça... a jamais enganares o outros em teu proveito, a jamais te calares perante a injustiça contra ti e contra os outros
3 - E a seres humano, a seres educado, cortes a teres bons modos, a saberes estar verdadeiramente em sociedade.... a seres uma pessoa enquadrada. Tu próprio mas enquadrado. Um homem do teu tempo.

Amo-te docemente como os morangos



Tua mãe





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